quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Auto-enticidade: O impacto que o Rei não imaginou...

Quando eu tinha 7 anos, muito entusiasmado, cheguei à escola e contei aos meus colegas que eu adorava “Roberto Carlos” (imaginando que aquela era uma notícia bacana). Para minha surpresa, a reação foi de chacota geral. Todos riram-se de mim e não faltaram adjetivos de reprovação e intimidação (cafona, antiquado, bobo) e acusações de que eu gostava de música de velho.

“Well”...

...a reação natural para um menino daquela idade seria de envergonhar-se e se encolher diante das primeiras chibatadas que a sociedade (desde muito cedo) vai disparando contra nossas vidas.

Mas algo diferente aconteceu...

Ao invés de me sentir envergonhado e intimidado, foi nascendo dentro de mim uma satisfação e até um certo “orgulho” por gostar de algo que era diferente dos demais. De maneira muito infantil, senti um certo “prazer” por não acomodar o que se esperava de mim e me manter fiel ao que realmente eu gostava. Era como se fosse nascendo dentro mim um escudo que bloqueava o exterior e nutria meu interior.

Respondi em tom de reafirmação: Por que vocês estão rindo? Eu disse que gosto muito de “Roberto Carlos”.

Um silêncio se formou por 3-4 segundos, e a ruidosa avalanche de reprovação começou novamente...

Esse acontecimento aparentemente insignificante, terminou por jogar um papel central e fundamental na minha personalidade e como conseqüência, em tudo o mais que veio a se passar na minha vida. Essa passagem da minha infância “tatuou a minha alma”.

O tema de hoje é “Auto-enticidade”: ser autêntico a você mesmo.

Auto-enticidade é a “arte” de comportar-se guiado por diretrizes interiores independentemente do que espera o exterior.

Todos os dias, elementos externos (como sociedade, cultura, trabalho, família) batem à nossa porta para fazer demandas. E como é difícil tourear todas as forças! Vem um. Depois outro. E de repente, quando menos se espera, “nhac”, um pedaço de nossa auto-lealdade é retirada de nós. A auto-enticidade é o mecanismo que nos permite minimizar o fenômeno “nhac”.

No entanto, ser auto-êntico não significa ser excêntrico (e a linha que os separa é bastante tênue mas a diferença é abismal).

O auto-êntico, comporta-se de uma maneira distinta simplesmente porque enxerga algo diferente dos demais (o faz motivado por ele mesmo). O excêntrico também comporta-se de maneira distinta, mas o faz para chocar, para parecer diferente aos olhos dos que lhe rodeiam (a motivação são outros). O excêntrico destrói o propósito do auto-êntico no seu âmago, exatamente por voltar a colocar o externo (e não o interno) como ponto de referência.

Vestir-se cômodo, sem marcas mas com qualidade, em um evento em que todos estão “despampanantes” é um exemplo de auto-enticidade. Já, vestir-se “alternativo” para ir à Vila Madalena e parecer um rebelde sem causa é ser excêntrico. Alguém rico, comprar um Civic pode ser um exemplo de auto-enticidade; já um Ferrari é certamente ser excêntrico (vamos combinar, Ferrari não faz nenhum sentido para dirigir no dia a dia de uma cidade...).

A auto-enticidade é importante porque torna-se uma plataforma para guiar nossa tomada de decisões pela vida. Escolher o que estudar, onde trabalhar, com quem andar e principalmente o que fazemos em nosso tempo livre, passam a ser totalmente impactados pelo nível de auto-enticidade que cultivamos.

Uma palavra chave para ser capaz de praticar a auto-enticidade é a palavra NÃO. Uma vez escutei que “dizer SIM é fácil, mas um NÃO precisa ser construído”. Não saber construir um NÃO sem magoar as pessoas, é ser escravo de se comportar baseado no que se espera de nós (nhac!)

Alguns exemplos com sintomas de baixa na auto-enticidade:

  • Trabalho. Reunião. Ambiente tenso. A discussão lembra a professora do Charlie Brown (buabua, buabuabua, buabuabua...)
  • Um bar. Agito. Mesa grande. Muita gente. Olhar distante e sentimento de solidão....
  • Carro novo. 2 meses de excitação. Elogios de amigos. Carnívora dívida no banco (nhac!)...
  • Réveillon. Olhar a vida pelo retrovisor. Sensação de caderno por escrever...

A falta de auto-enticidade costuma resultar em sentimento de vazio, efemeridade e condicionamento. Um sentimento de falta de controle. Uma sensação de injeção entorpecente de sobrevivência.

Se eu tivesse um filho, e fosse obrigado a passar apenas 1 ensinamento para ele, possivelmente escolheria auto-ênticidade (apesar da disputa ser acirrada com outros conceitos) .

O caminho da auto-enticidade, apesar de não trivial e requerer boa dose de disciplina, tem suas recompensas. A mais importante: viver de acordo com o que se pensa e se sente resulta em mais felicidade e mais umami.

Trilhar o caminho da auto-enticidade nos permite ser os arquitetos de nossa própria vida...

Bom, nada mais justo do que encerrar o post com uma homenagem ao Rei. Certamente, ele deve imaginar que impactou a vida de muitos casais na dimensão do amor. Porém, o que ele talvez não imaginou, é que acidentalmente impactou a auto-enticidade de um menino.

Cavalgada: cheia de umami. Que poesia!



3 comentários:

  1. Poucas vezes me senti tão bem descrita em algum texto... Primeiro porque até hoje sou "zoada" porque adoro o Roberto Carlos, imagine quando eu tinha 8 anos... Depois porque sustentar nossas vontades um pouco diversas da multidão não é algo fácil e paguei, por diversas vezes,o preço por fazê-lo. Mas agora, com a maturidade se aproximando de mim, sinto que escolhi o caminho certo e seria, novamente, aquela que leu o Mundo de Sofia com 13 anos, mas que frequentou os bailinhos... Que sempre foi apaixonada pela Jovem Guarda, mas também soube conhecer a música eletrônica... Que abre mão de muita diversão pela obrigação, mas sabe a hora que precisa se jogar!

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  2. E cresce a comunidade dos "zoados" pelo Roberto Carlos. Mas que bom é ser zoado por isso...
    Fê, no seu comentário, eu não vejos "MAS". Leio "E".
    Não é MAS frequentei bailinhos, e sim E.
    Não é MAS conhecer música eletrônica, e sim E.
    Ser autêntico é ir a bailinhos e música eletrônica.
    Mas claro, por você....e não pelos outros. E isso sim é difícil de ser honesto consigo mesmo...

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  3. Texto muito bom, me fez pensar em muitas coisas e vontades futuras a serem tangibilizadas. Tks !

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