quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

De que lugar?


2012 foi um ano repleto de aprendizados e descobertas; mas talvez uma delas tenha se destacado das demais.


De que lugar?

De que lugar estamos fazendo algo?

Qual era a intenção primeira? Naquele primeiro instante. Aquela que ainda estava nua. Aquela que ainda não estava "vestida" das nossas segundas intenções e de nossas racionalizações.

Na primeira intenção está o autêntico. Que por autêntica é imperfeita. E nessa conversa com o imperfeito está o desconcerto. Na primeira intenção pensamos estar protegidos pela individualidade e pelo fato de ninguém mais saber delas…quando na verdade estamos protegidos pelo contrário, por ser sabido, sentido e compartilhado por todos. Da primeira intenção não se escapa. Fica estampada em nossa testa.

E assim ficamos no meio dessa dança. A dança entre presença e existência. De corpo versus alma.

Na presença alimentamos nosso Ego. "E justo quando esse Eu se faz presente, existe uma carência de nós mesmo". Restringir nossas "fomes" interiores não parece importante para a presença, mas é fundamental para a existência.

Para existência, temos que abrir mão das recompensas. Temos que fazer não para nós mesmos. Temos que confiar na vida, assumir riscos, acreditar e abrir espaço. O tecido da existência não é estar o tempo todo consciente e protegido, mas perceber-se reverberando no externo, roçando-se com o mundo, vivendo no outro e através do outro. Quem muito se guarda, aparentemente não se corrói e saí ileso. No entanto, este vai gradativamente perdendo o corpo, cuja natureza é para ser gasta, raspada e atritada com a vida. É desse atrito que tanto fugimos que está o prazer existencial de usar-nos e desgastar-nos com a vida. E é assim, que compreendemos que a essência verdadeira está no uso e não na posse. E que a existência quiças nos sai mais cara que a presença, mas é ela que nos mantém Vivos.

A existência humana vai se dando por essa capacidade de culpar-se e desculpar-se, percebendo a causa das nossas próprias ações.

E o que podemos fazer sobre tudo isso? Podemos nos manter consciente e nos aparelharmos para que o nascimento da primeira intenção esteja ressonante com o fluxo saudável da vida. Não é negar o inimigo, mas sim, reconhece-lo. Reconhecer nossas imperfeições, nossas debilidades, nossa natureza humana e imperfeita. E ao não nega-la, vamos nos equipando para melhorar nossa capacidade de lidar com essas imperfeições. Ao mesmo tempo, vamos modificando o lugar de onde vem as primeiras intenções. 

E a partir daí, o importante é constantemente sustentar e revitalizar esse lugar mais saudável de onde nascem as primeiras intenções. É nesse exercício que se opera a verdadeira transformação do indivíduo. Um exercício de existência, e não de presença e sobrevivência.

Não seria absurdo dizer que no momento em que a consciência fica impedida por si mesma, naquele lugar onde ninguém está vendo, como num exercício autêntico de auto-moral, nesse momento, conhece-se uma presença que não é a do Eu. E é nesse exercício autêntico de alteridade em nossa consciência que se exercita o verdadeiro Religare.

Na alvorada do Eu, está o crepúsculo de Deus.

E tudo isso deve se dar de maneira verdadeira e genuína. É tocando e provando do mundo e ao mesmo tempo renunciando a ele que damos conta de nossa alma e de nosso corpo. Se exageramos na alma, vivemos um mundo imaginário. Se exageramos no corpo, vivemos apenas na presença, mutilamos a existência e ficamos reduzidos a solidão do Eu que é vão e oco.

O verdadeiro arbítrio não é mental, não é do mundo dos pensamentos. O verdadeiro arbítrio é sim do coração. 

Lá estava a primeira intenção, nua, antes de ser vestida pelos pensamentos. Nos pensamentos podem morar inúmeras intenções disfarçadas de disfarce do disfarce, porque os pensamentos se enredam e podem conviver uns com os outros. No coração, no entanto, no âmago do ser, há sempre uma única intenção. A primeira. A nua. Parte arbítrio, parte intuição, parte súplica, a intenção do coração é a que determina um livre, espontâneo e autêntico arbítrio. É o lugar real de onde agimos.


De que lugar estamos vivendo nossas vidas? 



PS: Muitas partes desse texto, não são de minha autoria mas sim extratos retirados do excelente livro "Segundas Intenções" do Nilton Bonder. No entanto, os trechos foram concatenados para passar uma mensagem distinta do livro. Nessa mensagem, o "link" com a pergunta "De que lugar fazemos algo?" foi inspirada nas conversas com um bom amigo que conheci em 2012. Dedico esse texto a ele.