quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Intimidade

Acredito que uma das áreas mais importantes para uma vida repleta de “umamis” é o relacionamento. Maridos, esposas, namoradas ou parceiros em geral terminam por impactar de maneira estrutural nosso dia a dia.

Um amigo uma vez me contou, que a cada vez que ele começava um novo namoro, sua avó sempre lhe perguntava a mesma questão: “Essa mulher te puxa para cima ou para baixo?”

Realmente, a pessoa que nos acompanha pode enriquecer nossas vidas, proporcionar paz e ser a ignição de crescimento, mas pode também nos “puxar para baixo” e transformar nossa vida em uma tempestade.

Na minha opinião, existe um ingrediente que se destaca e possui um papel central no nível de “umami” de um relacionamento: intimidade.

Intimidade é sutil. Intimidade é natural, não pode ser forjada.

Hoje gostaria de seguir um formato diferente. Ao invés de escrever minha opinião sobre o que é intimidade, dividirei alguns pontos que, de forma quase inconsciente, observo quando estou em um relacionamento. Para avaliar o “nível de intimidade” do relacionamento, observo se há a existência de:

- Um sentimento de que há algo único e especial entre os dois. Sabe quando você olha ao redor em um restaurante e parece que todas as outras pessoas são uns robôs da vida. Tudo ao redor parece um pouco raso, artificial e que você tem o privilégio de sentir-se em uma ilha com um brilho especial. Uma relação viva. Que pulsa.

- Comunicação não verbal (sexto sentido, olhar). Talvez uma das mais fortes marcas da intimidade. A dimensão e visão do casal é tão compatível, que em muitas ocasiões dispensa a comunicação verbal e um mero olhar, linguagem corporal ou até respiração são suficientes para transmitir sentimentos e percepções.

- Uma percepção de que somos pessoas melhores ao lado do parceiro(a). É como se a complementaridade e os pontos em comuns da outra pessoa, tivessem a alquimia de nos fazer ver a vida através de lentes mais potentes. É como se nosso parceiro(a) conseguisse catalisar e amplificar o que temos de melhor e neutralizar e dissipar nossos aspectos mais fracos e negativos. É sentir que somos puxados para cima. Que o relacionamento nos enriquece.

- Uma vontade de passar mais tempo de qualidade juntos, mesmo que em detrimento de outros compromissos sociais e pessoais. Sem deixar de praticar uma vida social enriquecedora, a convivência em casal passa a ser o ponto central, com uma preferencial natural por descartar alguns eventos da avalanche social que nos bombardeia em prol de tempo de qualidade, fazendo atividades simples e cotidianas juntos.

-Confiança e vontade de dividir segredos e contar novidades, mesmo que totalmente corriqueiras e ordinárias.

- Autenticidade de ser você mesmo e agir com naturalidade e sem máscaras. Não ser um ator. Não ter um papel a cumprir. Isso deixamos para o trabalho e eventos; e rimos deles. Entre os dois há que se sentir como se estivesse envolto um roupão com chinelos confortáveis, após um banho quente e uma massagem relaxante.

- Conforto ao sentir-se exposto, frágil e vulnerável. Sabemos que qualquer pessoa jamais pode ter 100% de controle sobre uma relação, uma vez que é formada por duas partes independentes. No entanto, a consciência dessa fragilidade não afeta o desejo de se entregar, de arriscar-se, apesar de não haver garantias.

- Diversão e senso de humor compatível. É preciso rir com o parceiro como com se ri com o melhor amigo. Casal sem riso é como flor sem água; murcha.

- Espontaneidade e vontade de ajudar o outro de formar genuína e descompromissada. Vontade de cuidar um do outro. É pensar no outro sem ter que se policiar. É comprar algo ou fazer algo pelo outro sem ter que pensar. É impactar, influenciar e doar-se sem que para isso precise existir um evento externo como um pedido ou uma data especial. É parte do dia a dia.

- Prazer em fazer obrigações e coisas não agradáveis juntos. Ir ao supermercado. Arrumar a casa. Cozinhar juntos. Até ir fazer exame médico passa a ser agradável ao lado do companheiro(a).

- Respeito, ser moderado e saber reagir nas situações de raiva. Não ser punitivo. Todos, por vezes, sentimos raiva e alteração emocional. Mas a consideração que temos pelo companheiro(a) atua como antídoto natural contra uma reação mais extremada, reduzindo a intensidade.

- Química e afinidade sexual. Temos ordens profundas e primárias e elas devem ser respeitadas. Naturalidade e conforto com o corpo, nudez, e com o ato de fazer amor com o parceiro(a) além de proporcionar um prazer especial e sublime, formam parte integrante da intimidade. O sexo é como a “droga saudável” do casal. Entorpece, relaxa e aproxima. Abre os canais do carinho.

- Admiração (e de preferência, nível de intelectualidade compatível). Admirar a outra pessoal é fundamental. Admirar que ela é melhor que você em algumas (ou várias) coisas, sejam elas mais técnicas e especificas ou mais humanas e menos tangíveis.

- Paz. Um relacionamento deve transmitir segurança, estabilidade e paz. Isso de relacionamento dinâmico, com altos e baixos, ciúmes, competição é coisa para novela. Ninguém “deveria” gostar de viver em cima de um touro mecânico. Na vida real poucos sentimentos são tão importantes como sentir paz (no meu caso pessoal é meu target número 1). Um relacionamento deve balancear de forma mágica intensidade e serenidade.

A intimidade também possui obstáculos. O livro “Blink” do Malcolm Gladwell narra um trecho interessante que me deixou marcado. Ele conta que em um experimento, um pesquisador (Gottman) provou que se analisasse uma hora de conversa entre uma marido e esposa sobre um tema polêmico, ele conseguia prever com 95% de certeza se aquele casal estaria casado em 15 anos. Mais incrível ainda, conseguia 90% de acertos, se a análise fosse de 15 minutos. O que o pesquisador analisava, é o que ele chamava de Four Horsemen: defensividade; “obstrução” (stonewalling); criticismo; “menosprezo/desprezo” (contempt). No entanto, de fato havia uma emoção que para Gottman era a mais importante de todas: menosprezo/desprezo. Se ele observasse que um dos dois integrantes de um casal demonstrasse menosprezo em relação ao outro, ele considerava essa constatação como a mais relevante para determinar que um casamento estava em problemas.

Pois é, um relacionamento com Umami necessita de uma alta e sólida dose de intimidade.

Um pouco "apimentado”? Sensação de terreno sólido e fértil ou Houston we have a p...?

Termino a reflexão com uma frase dita por um grande amigo meu:

“Eu não quero casar apaixonado, eu quero casar amando. Quero casar quando diga: eu não posso não casar com essa mulher”...

4 comentários:

  1. Tava lendo teu post e nao poderia estar mais de acordo... E espero que essa inspiracao venha de ter encontrado tudo isso em alguem especial pra voce. :-)

    Nao conhecia teu lado escritor, mas vou guardar o link. Tem potencial!

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  2. Essa parte: "No entanto, a consciência dessa fragilidade não afeta o desejo de entregar-se, de arriscar-se, apesar de não haver garantias" - tem sido a mais difícil para mim no momento.

    Muito gostosa a leitura e inspira a busca por uma situação semelhante.

    Como sugestão para a continuação da discussão, deixo a pergunta: Um relacionamento que tenha todos esses elementos descritos pode durar a vida toda? Ou terá sempre um ciclo de início e témino, que pode durar 1, 3, 5, 10 anos...
    Abcs Portela.

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  3. Acredito que se é um casal com os ingrediente corretos (e esse é um grande "SE"), é para vida toda.
    Duas forças atuam para isso:
    1) Laços de convivência (interno): uma convivência rica nos ingredientes acima, solidifica com o tempo. Cria raízes que são bem mais fortes que todos os desgastes que com certeza acontecem em 100% dos relacionamentos.
    2) Idade (externo): com o envelhecimento e amadurecimento, vemos menos graça em aspectos superficiais do mundo. Temos menos energia e menos "vulnerabilidades" para buscar algo fora. Apreendemos que o jardim do vizinho PARECE sempre mais verde. Mais só parece. Quando compramos a casa do vizinho, o jardim nem parece mais tão verde assim.

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  4. Tirando, logicamente, o quesito "química e afinidade sexual", fica fácil de ver que o relacionamento ideal não difere em nada de uma amizade verdadeira.Só com os graaandes amigos temos a intimidade absoluta de que vc fala.
    Quanto à polêmica "ser ou não pra vida toda" acho impossível estabelecer uma regra. Com todos esses elementos de intimidade, ainda assim, circunstâncias da vida podem se sobrepor a tudo e uma (ou ambas) das partes não suportar o peso. Enfim, acho que a intimidade verdadeira ou, em outras palavras "a grande amizade com sexo gostoso" tende a levar um relacionamento para o caminho "da vida toda" mas nem em todos será assim.
    Parabéns Rô.

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