sábado, 25 de junho de 2011

Sobre a Brevidade da Vida (Sêneca)


Ultimamente, com o advento da leitura digital, tenho o hábito de abrir um livro, ler 5-10 paginas e pular para outro até encontrar um que me “prenda”.

Assim que comecei a primeira linha de “Sobre a Brevidade da Vida” só consegui parar quando tentava virar mais páginas depois que o livro já tinha terminado.

Wow! Que obra prima!

“Sobre a Brevidade da Vida” é de autoria do filósofo romano Lúcio Anneo Sêneca (4 a.c. – 65 d.c.).  É uma coletânea de cartas a Paulino, na qual o tema principal é discutir como conduzimos a utilização de nosso tempo durante a vida.

Sêneca argumenta que a vida, ao contrário do que parece, não é curta, mas que nós a fazemos curta.


São inúmeros os temas fascinantes discutidos por Sêneca. Abaixo, colocarei a “minha versão” resumida dos meus preferidos:

Tempo – a riqueza mais preciosa: Meus amigos sabem como esse tema anda atual nas minha conversas. Sêneca defende que o tempo é a riqueza mais preciosa. A má utilização do tempo é o ingrediente responsável por tornar uma longa e generosa vida em uma vida breve e medíocre.

“Parece que nada se pede e nada é dado. Brinca-se com a coisa mais preciosa de todas (o tempo); contudo ela lhes escapa sem que percebam, pois é incorporal e algo que não salta aos olhos, por isso é considerado desprezível, e em razão disto não lhes atribuem valor algum. Os homens concentram seus prazeres e esforços na aquisição de bens materiais, mas ninguém da valor ao tempo; usa-se e abusa-se dele a rédeas soltas, como se nada custasse. Porém, quando doentes e próximos do perigo da morte, prostram-se de joelhos e estão prontos para gastar todos os seus bens em troca de um pouco mais de tempo de vida.”

Ocupação – o vilão: não a ocupação saudável, mas a compulsiva, aquela que te rouba a tranquilidade e mais se assemelha a uma doença, é o inimigo número 1 da boa utilização do tempo. Nos distrai como uma televisão, nos anestesia como uma droga e nos desvia da responsabilidade de sermos os verdadeiros condutores da utilização do nosso tempo.

“ Enquanto estás ocupado, foge depressa a vida...”

“Um homem ocupado não pode fazer nada bem: não pode se dedicar a nada em profundidade e plenitude, uma vez que seu espírito, ocupado em diversas coisas, não se aprofunda em nada, mas ao contrário, tudo rejeita, pensando que tudo lhe é imposto.”

Ócio – a ocupação indolente: achei fascinante a maneira que Sêneca adverte não apenas o ocupado, mas também o ocioso, seja por investir seu ócio em tarefas e assuntos não relevantes, por não terem meta ou por terminarem escravos de seus vícios como a embriaguez, a gula e a sensualidade (não de uma maneira saudável e equilibrada, mas sim como uma escravidão mórbida onde se perde a virilidade e apodrece). Sêneca coloca exemplos relacionados a sua época, como colecionador de brozes coríntios; assistir as lutas entre homens que se estapeiam; os que passam todo o tempo preocupados com pentes, espelhos e roupas; os que organizam rebanhos por ordem de cor e idade; os que passam todas as horas deitados ao sol. (Bem, os exemplos não são tão fora de época afinal).

“ O ócio de alguns é ocupado: mesmo em meio à solidão, mesmo quando afastado de todos, vivem em um estado, não de ócio produtivo, mas sim de ocupação indolente.”

Esse ponto do ócio, me pareceu especialmente interessante. Sempre vejo as pessoas reclamando por estarem ocupadas e lhes faltar tempo. Agora, morando no Kuwait, conheço inúmeros expatriados com uma generosa quantidade de tempo livre, com poucas horas laborais e poucos compromissos sociais. E o que acontece? Ao invés de utilizarem esse presente com inteligência, terminam por reclamar que não tem o que fazer, que estão aborrecidos, que a vida é chata.... o ser humano é mesmo curioso...

Outros temas interligados: por fim, o livro trata de tantos outros temas interligados, como a importância  de se estabelecer metas; a prisão às conquistas;  a prisão à opinião alheia; o quanto as pessoas pulam de um prazer para outro; e a importância de se cultivar um certo isolamento saudável do ruído da multidão e da busca constante da tranquilidade e paz.

Sobre esses últimos dois pontos, deixo uma frase de minha autoria, que sempre pensei em escrever um blog sobre ela (espero ainda escrever), mas que encaixa perfeitamente no contexto desse livro.

“A Paz, e não uma sucessão de prazeres, é o sinal da verdadeira felicidade.”

Bom, espero ter dividido elementos para encorajar a leitura dessa obra fascinante.

Outro aspecto que gostei, é que fica claro na leitura do livro, um tom que passa longe de ser um “falso moralismo”. Se alguma ideia moral é apresentada, não é por querer parecer diferente, superior e nem conferir um ar repreensivo. Fica claro que quem escreveu, é um profundo conhecedor dos efeitos humanos da má utilização do tempo. Fica evidente que é escrito por alguém inteligente, de bom senso e que viveu as diferentes facetas do percurso vida. Alguém que sabe, que algumas moralidades são corretas, não porque são impostas como regras, mas sim porque são “egoisticamente” saudáveis para o próprio indivíduo.

Por último, apesar de já ser valioso o suficiente em seu conteúdo, achei fascinante observar o quão idênticos são os seres humanos de agora e de dois mil anos atrás. Como pode ser que depois de eletricidade, revolução industrial, computadores, genética, telefones, televisão, internet, Facebook, etc... sejamos tão iguais no que realmente importa? Na verdade, que bom! Senti uma certa justiça (e alívio) nessa constatação.

Boa leitura!