terça-feira, 12 de outubro de 2010

A maioria é sábia. Só que ela é a minoria…

Quando escrevi sobre “auto-enticidade”, me perguntaram se essa prática não poderia resultar em ostracismo e falta de diplomacia. Acredito que sim, o risco existe e é alto. O post de hoje trata de uma das maneiras de mitigar o risco de ostracismo. Em um futuro colocarei minha opinião sobre como minimizar o risco de falta de diplomacia.

Hoje eu vou falar sobre dois conceitos complementares: os “véus invisíveis”; e o seu antídoto: a “maioria das minorias”.

O conceito de “véus invisíveis” é bastante simples: são os abismos entre realidades. É um problema de freqüência. Um problema de sintonia.

Apesar das generalizações imperfeitas, é como tentar forçar a um “pagodeiro da gema” a gostar de Mozart. Ou justificar o preço elevado do jamón serrano ao comedor de x-miséria. Ou ainda, convencer o amante de “Spiderman” a apreciar “O Carteiro e o Poeta”. Ou o leitor de “Caras” a devorar “The economist”. (uma vez mais, são só exemplos pictóricos e ilustrativos...)

Não dá. Não é natural. É bola no quadrado.

Vivemos em um mundo coberto por véus. O maior elemento segregador de pessoas não é dinheiro, nem posição social, mas sim interno: “véus invisíveis” que produzem abismos entre realidades.

Quantas vezes não cruzamos com pessoas muito simples mas extremamente sutis, que lêem livros diferenciados, realizam trabalho voluntário ou apreciam arte e lugares não óbvios? E ao contrário, quantos não são os que possuem dinheiro e que estudaram nas melhores escolas, que viajam, mas são rasos, pobres de espírito e medíocres?

O problema é de freqüência. De sintonia. E a falta delas, cria abismos “quase intransponíveis” (mas não o são!).

Para ajudar a visualizar, vou dividir algumas paixões pessoais atuais mas que em algum lugar do passado não tiveram freqüência para serem apreciadas: clássicos antigos do cinema me davam sono; bossa nova me parecia decadente e música de velho; comida japonesa era (argh) intragável; fotografia era perder tempo da viagem; viajar para ver cidades antigas ou monumentos era desperdiçar oportunidade de relaxar em um resort de praia. E essas são apenas algumas poucas...

Lembro-me de quando comecei a trabalhar na tesouraria do Deutsche Bank. Meu primeiro almoço com os colegas foi em um japonês (e foi traumático). Que sofrimento. Meu rádio interno não conseguia sintonizar a freqüência do contexto em que aquelas pessoas viviam nem sobre o que elas conversavam. Pior ainda, a comida japonesa parecia um chiclete em minha boca...haviam muitos véus. Camadas e camadas de “véus invisíveis”.

Mas ainda que sofrida, aquela situação me tirava da zona de conforto puxando pelos cabelos...

A ameaça dos “véus invisíveis” recai sobre todos nós, e devemos sair da acomodação e da rotina, permanecendo em uma “luta” incessante (porém saudável e prazerosa) para combatê-los.

Mas, o que fazer para lutar contra os perigos dos abismos internos: os “véus invisíveis”? A resposta está no conceito de “maioria das minorias”. Uma atitude que requer coragem, vontade de arriscar-se e sair da zona de conforto.

Sempre tive problemas com conceitos como maioria, democracia e consenso. Acredito neles como princípio, mas para que na prática funcionem, necessitam de algumas condições de contorno. Acredito no princípio da democracia, mas na prática ele é falho, e uma prova dessa falha é que ela infelizmente é capaz de eleger o “Tirirca”. Assim, acredito em o que denomino "democracia qualificada" e um dia escreverei sobre isso.

Por hora, a verdade nua e crua (ainda que cruel) é que sim, penso que a maioria é “burra” e incapaz de saber o que é melhor para si mesma. Steve Jobs da Apple diz algo mais ou menos assim: “Não pergunte às pessoas o que elas querem. Elas não sabem. Mostre a elas o que elas precisam e elas naturalmente a desejarão.”

Mas se a maioria não é uma boa referencia como vetor para derrubar nossos “véus invisíveis”, como podemos sair do ostracismo e buscar parâmetros externos de qualidade?

A solução não está em desqualificar todos os inputs externos da maioria. Isso cria estagnação e apodrece; leva-nos ao ostracismo e é perigoso. O segredo está em escolher de qual maioria receber informação. Aí está a chave: filtrar e selecionar a fonte da referência.

Selecionar as referencias parece simples mas não é. Não se trata da “curtir” a parte boa e natural da relação com alguém que se admira. Trata-se da parte não compreendida, menos óbvia e que produz estranheza.

Quando alguém que admiro gosta de algo que eu não gosto ou não compreendo, guardo em alguma gaveta do neocortex. Pode ser que seja algo que eu realmente não goste e que não sirva para mim, mas fica lá guardado; talvez seja eu que não esteja preparado e não possua a freqüência adequada para entender e apreciar aquele sabor.

Acredito, que quando duas ou mais pessoas sábias, chagam a uma mesma conclusão através de caminhos independentes, essa conclusão tem maior probabilidade de ser uma Verdade.

Portanto, quando várias pessoas (maioria) das quais admiro (minoria) gostam da mesma coisa, a referência ganha outra dimensão. Fico excitado porque provavelmente acabo de descobrir um novo prazer ou sabor que previamente desconhecia.

Claro que o processo deve-se dar de uma forma natural e gradual. Não pode ser artificial. Porém abro as janelas de oportunidade para possivelmente derrubar minha resistência e inércia iniciais e compreender genuinamente essa nova freqüência. Definitivamente é um processo que nos sacode, nos empurra para fora da zona de conforto, mas produz recompensas prazerosas e desenvolvimentos estruturais.

Todo o conceito de “maioria das minorias” baseia-se na premissa de que as pessoas que nos produzem admiração merecem credibilidade. Mesmo que em um primeiro momento, não compreendamos ou até discordemos das referências transmitidas, respeitamos, absorvemos e meditamos sobre essas novas referências.

Portanto, seja criterioso e escolha bem suas fontes de referências. Saia do lugar comum e revisite quem são as pessoas que realmente admira e por quê. Não reaja com resistência quando elas dividirem algo estranho que você não entenda bem. Armazene e mature.

Arrisque-se. Ouse. Saia do ostracismo e da zona de conforto e descruba novos Umamis, derrubando os “véus invisíveis” através das “maioria das minorias” e de novas dimensões.

2 comentários:

  1. Adoreiiiii! Estou acompanhando todos seus textos. A sua veia poética aflorou de vez... parabéns e continue escrevendo para nós. Beijoooo Lela

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  2. Gostei do texto, esse conceito de “maioria das minorias” eh bem interessante, e o exemplo que utilizou da Bossa Nova desenhou muito bem o processo que eu passei pelo seguinte fato: eu, quando morava no Brasil nao dava a minima bola p/ Bossa Nova, quando passei a morar fora e conheci pessoas de qualidade que nem brasileiras sao, apreciando Jobim, Vinicius de Moraes, Astrud Gilberto, me intrigou! Decidir pesquisar, escutar, e hoje Bossa faz parte da minha rotina..

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